O pano de boca do Theatro Municipal do Rio de Janeiro

O pano de boca do Theatro Municipal do Rio de Janeiro

Olá bailarinos e bailarinas que me acompanham!

Depois de um tempo sem fazer um post exclusivo para o blog, finalmente estou aqui para não colocar nenhum vídeo do meu canal! O contéudo vai ser por escrito dessa vez!!!!

Para quem me segue no Instagram viu que há pouco tempo eu fiz uma visita guiada ao Theatro Municipal do Rio de Janeiro! Para quem quiser ver essa visista clica aqui no meu perfil do Instagram e veja com mais detalhes que está lá nos destaques!

Então, por causa dessa visita, resolvi falar da história do pano de boca do TMRJ  feito por Eliseu Visconti e toda a polêmica envolvida na sua criação.

Já fiz um post sobre toda a história do Theatro Municipal e do corpo de baile, então pulemos essa parte.

O QUE É UM PANO DE BOCA

Pano de boca, para quem não sabe, é uma tela que ocupa toda a entrada da sala, que cobre toda a boca de cena, que fica na frente da cortina antes de começar o espetáculo.

O pano de boca do TMRJ foi produzido por Eliseu Visconti a partir de 1906 em Paris, chegou ao nosso Theatro em 1908, antes mesmo da sua inauguração, e só fica exposto cerca de uma semana por ano por razões de manutenção.

“Conhece o panno de bocca do Theatro Municipal? É uma
enorme téla de doze metros por doze. A allegoria que nelle está
pintada contém cerca de trezentas figuras retratos historicos.
Imagine essa enorme téla, que eu deveria esboçar, pintar,
encher, enfim, esticada no meu atelier de Paris, em minha frente,
esperando por mim, completamente branca! Foi essa, sem
duvida, a maior emoção da minha vida de artista!”

A HISTÓRIA DO PANO DE BOCA DO TMRJ

O pano de boca já estava presente no Theatro antes mesmo da sua inauguração, que, como vocês podem ver no outro post sobre a história do TMRJ, foi uma obra que demorou apenas quatro anos para ficar pronta.

Mas a verdade é que, embora o pano de boca tenha chegado ao Theatro em 1908, a sua história começa um pouco antes, em 1905. Foi neste ano em 16 de junho que Eliseu Visconti recebera em Paris uma carta escrita por Francisco Guimarães comunicando que o arquiteto construtor do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, Francisco Oliveira Passos, solicitava que o pintor levasse ao Rio de Janeiro alguns esboços com ideias para as decorações do referido
teatro.

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Retornando, então, à capital francesa em maio de 1906, Visconti aluga o atelier que havia pertencido a Puvis de Chavannes, em Neuilly-sur-Seine, no Boulevard du Chateau nº 38.  No Brasil não havia atelier nas dimensões adequadas à empreitada que Visconti iniciava. O atelier alugado em Paris, com cerca de 5 metros de pé direito, seria ainda pequeno, pois o pano de boca, com 12 metros de altura por 13 metros de largura, teve que ser dividido em três seções, de diferentes alturas, pintadas separadamente.

Visconti teve como um de seus assistentes o pintor Helios Seelinger, que se encontrava em Paris por haver conquistado em 1903 o prêmio de viagem ao exterior com a tela “Boêmia”. Quatro anos depois de seu trabalho com Visconti, Seelinger seria escolhido para executar o painel decorativo do salão nobre do Clube Naval do Rio de Janeiro.

Concluído, o pano de boca foi exposto em Paris, entre 20 e 28 de julho de 1907, no atelier do artista. Embora envaidecido com os insistentes pedidos para mostrar seus trabalhos ainda na capital francesa, Visconti não pretendia realizar essa exposição, pois o contrato de aluguel do atelier expirava em 15 de julho e o novo inquilino negava-se a permitir que o prazo fosse prorrogado por um dia sequer. Sabe-se, por carta encaminhada a Francisco Oliveira Passos, que Visconti não admitia realizar a exposição em outro local, temendo pela integridade de suas obras.

Em 11 de outubro de 1907, Eliseu Visconti embarca no navio Nille, trazendo as decorações do Theatro Municipal em três caixotes, sendo que o maior deles tinha 14 metros de comprimento. Chegando ao Rio, os trabalhos de montagem das obras no Theatro foram imediatamente iniciados. Visconti havia visitado a Ópera de Paris em junho de 1907 para examinar a instalação do pano de boca do teatro francês. Lá desenhou detalhes da engrenagem utilizada para suspensão do pano, com o claro objetivo de aplicar mecanismo similar à sua obra.

Oito dias foram necessários para a suspensão do pano de boca no Theatro Municipal, trabalho concluído em 28 de abril de 1908. E o pano seria objeto de críticas severas, por parte de Arthur Azevedo. O dramaturgo contestava a concepção da obra, e não os personagens ali colocados. Preservava Visconti como artista, mas acusava o prefeito Pereira Passos de arbitrário, por não haver submetido o croqui do pano de boca à aprovação da prefeitura e à opinião pública, esquecendo-se da exposição do croqui na Casa Vieitas, em 1906. Suas críticas eram passadas aos leitores através das crônicas Palestras, que mantinha no jornal carioca O Paiz, e tinham como principal propósito atacar o prefeito. Em resposta, o Engenheiro Francisco Oliveira Passos faz publicar, na edição de 30 de julho de 1908 do mesmo jornal, carta encaminhada a Arthur Azevedo, na qual afirma que a pintura do pano de boca só foi confiada a Eliseu Visconti depois de aprovado pela prefeitura o croqui a óleo do trabalho.

O ENCONTRO DE TODAS AS ARTES

Mesmo o atelier em Paris tendo um pé-direito bastante alto, foi necessário executar o trabalho do pano de boca em três etapas. A parte superior foi estendida no dia 20 de janeiro de 1907; a segunda no dia 24 de março e a parte inferior no dia 15 de maio. O tema dado a Visconti – A influência das Artes sobre a Civilização –, foi desenvolvido pelo pintor numa profusão de centenas de figuras em desfile alegórico.

No alto, a Arte abre braços e asas para influenciar o avanço da civilização, enquanto, ao som da música instrumental e coral, a Verdade e a Ciência espalham sua luz. No cortejo estão representados grandes nomes da literatura, música, teatro, escultura, pintura e alguns poucos governantes que favoreceram as artes, através dos séculos. No terço inferior da tela, Visconti representa os vultos brasileiros das mesmas áreas culturais, e termina com uma banda de música e representantes do povo.

É possível ver, então no pano de boca de Eliseu Visconti, no conjunto das figuras e alegorias, além da figura da verdade e dos representantes do povo, como negros e indígenas, a escultura da Verdade,  Terpsícore, algumas bailarinas clássicas, representações da Grécia e Roma, e algumas personalidades bastante conhecidas por nós como Shakespeare, Camões, Vitor Hugo, Francisco Manuel, Mestre Valentim, José Bonifácio, Castro Alves, José de Alencar, Casimiro de Abreu, Pedro Américo, Vitor Meireles, D. Pedro II e os artistas de teatro famosos no século 19 ou naquela época, como João Caetano, Vasques, Peregrino de Menezes e Furtado Coelho e ainda a célebre dançarina moderna, Isadora Duncan.

Mas foi justamente a presença de Dom Pedro II e de negros que mais causaram polêmica na época. Vamos, então a essas polêmicas.

AS POLÊMICAS

Diversos visitantes ao seu atelier, tanto brasileiros quanto estrangeiros, aconselharam Visconti a expor seus trabalhos ainda em Paris. Depois de conseguir uma prorrogação do contrato de aluguel, ele pôde expor suas decorações no próprio atelier onde foram trabalhadas. A exposição aconteceu entre 20 e 28 de julho de 1907 e Visconti registrou em seu caderno de notas o comparecimento de quase 300 pessoas no dia da inauguração, citando nominalmente dezenas delas, dentre as quais, diversos artistas e autoridades, franceses e brasileiros, com destaque para Joseph-Antoine Bouvard, arquiteto da cidade de Paris, e o ex-presidente do Brasil Rodrigues Alves.

A imprensa francesa acolheu bem a exposição. Visconti pede a Oliveira Passos autorização para que o jornal “L’Art Decoratif” possa reproduzir os seus trabalhos em número especial, e informa: “Pelo correio passado enviei-lhe alguns jornais que fallam da exposição e seguem outros”.

No entanto, a exposição suscitou imediatamente reações escandalizadas por integrantes da colônia brasileira em Paris. Um certo Pereira Nunes, listado no caderno entre os que compareceram à inauguração, escreveu a Visconti uma carta, como “aviso de quem deseja poupar-lhe desgostos”, informando estar certo de que a todos “impressionou tristemente aquella exhibição de negros e bananas, mais um alvo para as chacotas e troças dos estrangeiros que nos
frequentam”. A carta sugeria que o pequeno grupo, espremido ao final da procissão, fosse suprimido ou substituído.

O trecho inferior do telão, o único que pôde ser exposto em Paris, constitui apenas uma terça parte da composição. Mas a elite brasileira demonstrou verdadeiro horror ao que viu em Paris, pois não se conformava com a inclusão de populares numa tela decorativa da mais luxuosa casa de espetáculos brasileira, ainda que o grupo ocupasse um espaço ínfimo e sem relevo algum. No canto inferior esquerdo, está representada uma família negra de pés descalços – o pai, que carrega uma espécie de bastão, símbolo do seu trabalho braçal; a mãe que segura um bebê no colo e estende a mão para conter o menino que se inclina para pegar algo do chão; e a jovem que segura a bacia com frutos acima da cabeça.

No Brasil, a imprensa divulgava a opinião da elite, antes que o público tivesse oportunidade de ver a obra. Em resposta, Oliveira Passos mandou publicar no “Jornal do Commercio” uma carta com a descrição feita por Eliseu Visconti do seu trabalho, para que se tivesse uma noção do todo. Na sequência, porém, foi acrescentado o
telegrama que o Jornal do Brasil publicara no dia anterior, recebido de Paris:

“Membros da colonia brasileira dirigiram-se ao Sr. Conselheiro
Ruy Barbosa, pedindo-lhe que interviesse junto ao Sr.
Presidente da Republica, para que fosse evitado o acabamento
do panno de boca do Theatro Municipal em que o pintor Visconti
representava o Brasil artistico na pessoa de Sua Magestade o
Imperador, finado Sr. D. Pedro II, boquiaberto ante o maestro
Carlos Gomes e rodeado de pessoas na mesma attitude, entre
as quaes uma preta mina, com um taboleiro cheio de bananas,
além de outros attributos ridiculos ou deprimentes”.

Visconti, em Paris, também recebeu as notícias que circulavam no Brasil, através do telegrama: “Causa má impressão inclusão Imperador e mais pessoas populares panno Teatro”, justamente por representar a monarquia, passado não tão distane no Brasil à época. Mas, na visão de Visconti, não tinha razão de ser essa má impressão, tendo em vista que o pintor não escolheu a figura do Imperador por ser imperador, mas por ter sido uma pessoa de grande importância para a arte. Dom Pedro II foi de fato um verdadeiro mecenas da produção artística no Brasil, patrocinando diversos artistas. Então, ele deveria, sim, estar presente no pano de boca.

Foi sugerida uma modifição a Visconti de seu pano de boca, justamente pela presença dos negros e de Dom Pedro II, mas a verdade é que a pintura foi mantida intacta, não sofrendo qualquer modificação, sobrevivendo ao tempo e às críticas sofridas.

No final de setembro, Visconti comunicou a Oliveira Passos que partiria no dia 11 deoutubro, no paquete Nile, levando as decorações do teatro. Já no Rio, o pintor registrou no seu caderno de notas que a colocação do pano de boca se fez entre os dias 11 e 19 de abril de 1908, e ainda, minuciosamente, a maneira de suspendê-lo. Então, novamente o pano de boca ocupou as páginas da imprensa.

Ele foi reproduzido, em página dupla, na revista Fon-Fon, de 11 de julho, sem nenhum comentário. Logo em seguida, num artigo antimonarquista ele é citado, desta vez destacando a figura de Pedro de Alcântara, colocado “ao lado de uma bailarina-cocotte, e no mesmo plano em que eternizou a elegante effigie do Sr. Oliveira Passos, que lhe encommendou a obra, significando, assim, que nas creações estheticas não ha reverenciaes convencionaes, nem attenções idolatras”

Na semana seguinte o assunto ressurge na coluna Palestra, de Arthur Azevedo, que também assentiu com as críticas feitas ao pano de boca do Theatro Municipal.

Quando finalmente o teatro ficou pronto, em julho de 1909, sobre uma visita anterior à inauguração, facultada a jornalistas e convidados para conhecerem as instalações do teatro, o Correio da Manhã publicou: “Tivemos occasião de ver tambem o panno pintado por Visconti e que é de grande effeito”. Mas O Paiz, o jornal que mais
alimentou a discussão, reservou-se o direito de manter o seu posicionamento em vantagem, sugerindo que a apresentação do pano de boca de Eliseu Visconte na inauguração do Theatro iria reacender ass discussões e polêmicas de natureza artistica, já levantadas anteriormente e agora apagadas pela espectativa da obra.

Mas o palpite falhou e a polêmica não se reacendeu. No seu devido lugar e visto por inteiro, à distância para a qual foi planejado, a complexidade do pano de boca de Visconti não incomodava, como se imaginou, e nem destoava esta ou aquela figura, mesmo aos olhos dos mais preconceituosos. Em todas as reportagens sobre a inauguração do Teatro Municipal, ocorrida no dia 14 daquele mês, nada foi encontrado sobre ele. A imprensa preferiu calar a assumir a aprovação do público, em dissonância com a opinião propalada pela elite.

A Illustração Brazileira publicou um artigo em que o autor conta, assombrado, a sua experiência fulgurante de visitar o teatro, conhecendo todas as suas dependências. Ele descreve o luxo, o conforto, o funcionamento do mecanismo de palco, e se impressiona principalmente com a luz elétrica por toda a parte. Sobre as pinturas apenas diz: “E pelas paredes leves trechos de fantasia, pintados por Visconti e Bernardelli, quasi sempre o vago esboço de mulheres a dansar, envoltas em brumas e veus”. No texto, nenhuma palavra sobre o pano de boca, porém, entre as reproduções, lá está ele (p.69) e na página anterior, um desenho com suas figuras principais, numeradas de 1 a 75, e
a indicação do que cada uma representa.

Por fim, mesmo após as duras críticas e polêmicas, a pintura permaneceu como foi originalmente concebida, e resistiu aos percalços do tempo e da apreciação dos homens, chegando ao século XXI como o testemunho de uma época que se orgulhava do seu progresso, mas ainda flertava com retrocessos da parte dos representantes de uma elite, que não se conformava com as pequenas conquistas sociais alcançadas, a duras penas, pelos menos favorecidos.

Eliseu Visconti também foi responsável por pintar o teto do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, pintura nomeada de “A dança das horas”, mas deixemos isso para outro post!!!

 

OBS: Minhas fontes bibliográficas:

http://www.cbha.art.br/coloquios/2016/anais/pdfs/3_Mirian%20Seraphim.pdf

https://eliseuvisconti.com.br/theatro-municipal-pano-de-boca/

 

Até um próximo post pessoal!!!!

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