Olá pessoal que me acompanha!
Hoje falaremos de um período específico do ballet francês! O ballet francês teve sim sua “Era de Ouro” e nos dias de hoje continua sendo muito famoso e a França continua tendo uma grande relevância para o ballet atual e sua história! Mas hoje falaremos da crise que se passou no ballet na França e porque ela aconteceu nos finais do século XIX.
Falarei, então, dos antecedentes até chegar ao momento da crise:
1. O Romantismo
A França, desde Luis XIV e da fundação da Ópera de Paris, tinha sido o berço de tudo de mais importante que acontecia no mundo do ballet. As grandes estrelas vinham da Ópera, os grandes ballets eram feitos la e os grandes mestres também davam aula lá. E o romantismo colaborou muito para isso!
A coreografia de Filipo Taglioni de “La Sylphide”, estreada na Ópera de Paris em março de 1832, foi um marco histórico, que consagrou Marie Taglioni como a grande bailarina de seu tempo e fez também consagrar o figurino de Eugene Lami, o Tutu Romantico, como o modelo da época e que continua sendo usado ate hoje.
Em “La Sylphide”, verificou-se o predomínio da figura feminina. A mulher é vista como musa, heroína no estilo romântico, sendo o homem como apenas um mero acompanhante para ressaltar a sua leveza e imaterialidade. Este ballet determinou também a voga do “ballet blanc” (ballets em que as mulheres usam tutu branco, normalmente cercado por criaturas etéreas, como as Sílfides e as Willis), que iria continuar em muitos outros como “Giselle”, “Lago dos Cisnes” e outros.
Outro marco deste ballet é o uso da sapatilha de ponta pelas bailarinas pela primeira vez. Nele somente a primeira-bailarina usaria, mas mais tarde seria obrigatório a todas as bailarinas clássicas o seu uso. Ele consagrou a sapatilha de ponta como símbolo da leveza feminina e fez a sapatilha de ponta se tornar indispensável na técnica clássica feminina.
O ballet “Giselle”, coreografado por Jean Corali e Jules Perrot, estreado por Carlota Grisi no papel principal, por sua vez foi o ballet que foi o auge deste estilo. Ele consagrou o melhor de cada setor, juntando todos os ingredientes românticos. Os cenários foram um prodígio de imaginação e engenhosidade, junto com a iluminação a gás e os trajes vaporosos contribuíram para a formação do clima irreal. A qualidade da música de Adolphe Adam também não deixou a desejar e fez com que “Giselle” se tornasse imortal, tendo este compositor feito a partitura deste ballet em apenas TRÊS SEMANAS!!! Além disso, este ballet trouxe um progresso para a técnica clássica feminina: a partir dele todo o corpo de baile passa a usar sapatilha de ponta.
Então, por todos esses motivos e muitos outros, o ballet vira sinônimo de romantismo e a França, o melhor solo para esta arte. Pena que isso não duraria mais muito tempo!
2. A Ópera de Paris perde suas estrelas
A partir da consagração Marie Taglioni em “La Sylphide” e de Grisi em “Giselle” como grandes estrelas, foram surgindo outras novas na Ópera: Fanny Cerrito e Lucile Grahn. Jules Perrot coreografou, então, o “Gran Pas de Quatre” para essas quatro estrelas de seu tempo, ressaltando nas coreografias os pontos fortes de cada uma. E, por ter sido feito para estrelas, foi um ballet que foi reproduzido pouquíssimas vezes, especialmente também pelas questões de direitos autorais envolvidas. (Mas as bailarinas do Teatro Municipal do Rio de Janeiro estão dançando ele agora neste feriado na Primavera da Dança de Outubro! Confere aqui!!!)
Após o “Gran Pas de Quatre”, essas estrelas do ballet foram rumando, então, caminhos diferentes a partir de 1845.
- Marie Taglioni se aposenta dos palcos;
- Lucille Grahn, que tinha sido aluna de Agust Bournonville, volta para a Dinamarca;
- Carlota Grisi vai com o marido à época, Jules Perrot, para São Petersburgo, onde trabalharam juntos, e fará turnês pelo mundo;
- Fanny Cerrito vai com o marido, Arthut Saint-Leon, para a Russia.
Além disso, houve uma bailarina que estava prometida para ser a grande estrela do ballet francês: Emma Livry. Ela chamou a atenção de Marie Taglioni ao dançar também “La Sylphide” e estava sendo treinada por esta antiga estrela, que montou um ballet especialmente para ela: “Le Papillon”, mas ela teve um final trágico, quando a sua saia pegou fogo nas lâmpadas a gás durante um ensaio de “La Muette de Portici”. Acabava por aí, então, a chance da França lançar mais uma estrela do ballet.
Sobre os homens no ballet, eles já não foram o grande destaque da época romântica, cabendo isto as mulheres. Se a Ópera já estava perdendo as suas grandes estrelas femininas, que dirá as masculinas. Houve sim alguns homens que foram bons bailarinos, mas o estrelato era por conta das mulheres. Logo, não havendo bailarinas para fazer esse papel, a Ópera em breve estaria decadente!!!
3. A Guerra Franco-Prussiana e o ballet Coppelia
O romantismo teria feito grande sucesso em todas as artes na Europa, não só no ballet. Mas não há qualquer fonte que seja inesgotável. Os escritores começaram a se enveredar para um novo estilo, o realismo, que, mesmo sem liquidar com o filão romântico, rompe com a fixação no passado. Heroínas ainda vão morrer por amor, mas serão descobertas nos bordéis, bairros proletários, fábricas enfumaçadas.
Em 1848, outra onda revolucionária toma conta da Europa. Nesse mesmo ano, Alexandre Dumas Filho publica “A Dama das Camélias” contando uma história verídica em que a heroína é uma jovem cortesã típica. Pouco depois, ele transforma o livro em peca teatral de grande êxito. Mas a estreia da ópera em 1853 é um fracasso. O público operístico não aceitava enredos vinculados à atualidade.
No ballet verifica-se idêntica defasagem. Libretistas e coreógrafos não acompanharam a evolução literária e, se assim fizessem, o público também reagiria mal! O modelo vitorioso do romantismo tinha viciado o gosto do público!
Mas apesar do declínio do ballet romântico, a escola francesa mantém a sua primazia ate 1870, apesar da saída das suas grandes estrelas. Isso porque entre 1850 (quando a Grisi saiu da Ópera e se deu o apogeu do romantismo), o ballet francês será marcado por Arthur Saint-Léon, fazendo a Ópera de Paris conhecer brilhantes movimentos de inventividade coreográfica. E a Russia também vai se beneficiar com os conhecimentos deste mestre de ballet!
Saint-Léon era ambicioso e ciumento de possíveis rivais, não era benquisto entre seus colegas e se enfurecia diante de qualquer crítica menos lisonjeira. Esse seu temperamento difícil lhe custou o acesso ao Scala de Milão. Mas em compensação, conseguiu impor seu trabalho em quase todos os grandes teatros europeus sem nunca desvincular-se por completo da Ópera de Paris.
Mas, falando da Ópera de Paris e de “Coppélia”, o fato é que desde a partida de Grisi, não aparecera nenhuma grande estrela na Ópera. A Europa Ocidental se desgastava artisticamente. Mas em 1870, o surgimento do ballet “Coppelia” (ou “A moça dos olhos de esmalte”) fez o Romantismo dar uma guinada.
Era preciso criar algo novo depois das Sílfides, das Willis e das Náiades, que esvoaçaram no plano principal do Romantismo por quase 40 anos. Precisava-se criar algo novo e de alta qualidade para que a dança cênica não se deteriorasse! E assim “Coppelia” surgiu e cumpriu com louvor o seu papel. Foi um ballet ágil, alegre, sem perder a organização dramática do romantismo e distribuído em três atos, independentes um do outro. A temática deste ballet é inovadora, diferindo dos outros do estilo romântico: primeiro porque todos os personagens são reais, não tendo a fantasia chances de vitória e segundo porque a heroína demonstra e declara abertamente o seu amor pelo herói.
Entretanto, o grande fator para que o ballet fosse um sucesso e se eternizasse foi a escolha do tema, retirado por Saint-Léon de um conto de E.T.A. Hoffmann, em que a boneca aparenta tomar vida, se transformando num “Pinocchio” que deu certo, cheia de encantamento.
Outro detalhe curioso que acabou atestando a decadência masculina na companhia foi que pela primeira vez uma bailarina executava o papel masculino. Eugenie Fiocre interpretou o papel de Franz. E a partir daí isso iria se repetir em outros ballets e em outras encenações de “Coppelia”. Mas acontece que este fato coloca a mulher no centro da cena, ao contrário das danças no século XVI, ou até mesmo do romantismo, quando muitos papeis femininos, especialmente os de caráter ou os que simbolizavam bruxas ou feiticeiras eram desempenhados também por homens!!!
Entretanto houve dois outros pontos fortes que determinaram o sucesso do ballet: a coreografia de Saint-Leon, extremamente concebida e salpicada de virtuosismo e a musica de Leo Delibes. Os dois, juntos em comum acordo, selecionaram para o ballet tres estilos fundamentais coreografados a rigor: a valsa, a mazurca e a czarda.
So que, como dito antes, apesar de todo a reviravolta que o “Coppelia” traria, a verdade eh que, como dito anteriormente, a Ópera de Paris estava sem suas estrelas e Saint-Leon precisava de uma primeira-bailarina para encarar o papel principal. Essa foi sem duvida a grande dificuldade do coreógrafo: escolher uma nova estrela que estivesse a altura das grandes estrelas que anteriormente a Ópera tivera.
O libretista, Charles Nuitter, queria a jovem bailarina Léontine Beaugard no papel-título, mas a direção do teatro decidiu usar um “nome” e importou a bailarina russa Adèle Grantsova. Mas depois que os ensaios se arrastaram por muito tempo, Grantsova foi para casa e o papel foi para a jovem italiana Giuseppina Bozzacchi de apenas 16 anos! Fato que fez o coreógrafo modificar a coreografia. Ela não se tornou um “monstro sagrado” da dança, como suas antecessoras do romantismo, mas colaborou com sua técnica, para o sucesso da obra, estimulando o coreógrafo a trabalhar com virtuosismo.
Uma pena que o sucesso de “Coppelia” logo seria acometido por acontecimentos trágicos. Algumas semanas após a estreia do ballet, começou a Guerra Franco-Prussiana, que determinou a queda do Segundo Império. Com Paris sob o cerco, a Ópera fechou as portas. Saint-Leon, então com 49 anos, morreu de crise cardíaca e Giuseppina Bozzacchi, sua promissora estrela, morreu de febre tifoide, acometida pela fome na capital sitiada no dia de seu aniversário de 17 anos!!!
4. A decadência do ballet francês
Foi nesse cenário após a morte de Saint-Leon e pós-guerra que Louis Meránte assume a direção da Ópera de Paris. A França estava totalmente devastada. A melhor obra de Meránte foi o ballet “Sylvia”, que teve sua estreia em junho de 1876. Mas por mais talentoso que ele fosse, a verdade é que ele teve o infortúrio de pegar o ballet na época de declínio na Ópera. Faltava estrutura propicia que fizessem avançar a arte (basta pensar em como fica normalmente qualquer país num pós-guerra. Já não há muito dinheiro e o que tem muito provavelmente não vai para a arte. A arte não é prioridade).
A situação chegou a tal ponto que, no início da Terceira República, um deputado, debatendo sobre o orçamento da Ópera de Paris propôs diminuir os gastos com a demissão “desses seres estranhos que são os bailarinos”. Mas essa proposta foi rejeitada.
Desde entao, a Ópera de Paris se manteve como centro da vida artística francesa, privilegiando o canto, enquanto o ballet vegetava. Neste período a imprensa comentava maliciosamente que parisienses e turistas preferiam aplaudir o frenético cancã no Moulin Rouge do que as discretas evoluções das bailarinas da Ópera.
Assim, a “belle-epoque” mostrou-se desfavorável ao ballet francês, e assim permaneceria ao menos até o surgimento dos Ballets Russes de Diaghilev. Enquanto isso na Russia o ballet ganhava um impulso cada vez maior e o reino das sapatilhas se transferiu de Paris para São Petersburgo. Mas isso já foi história de outro post!!!
– Minhas referências bibliográficas:
- Na Magia do Palco – Ana Botafogo e Suzana Braga
- História da Dança – Maribel Portinari
É isso meu povo bailarinístico!
Até o proximo post!!!